terça-feira, dezembro 31, 2013

A MISSA DO GALO (CONTO)


(Este conto será retirado do blogue, em breve. E será melhorado, também)


José Aparecido nunca tinha vindo a Portugal, mas conhecia o avô. Sobretudo de ouvir falar dele, claro. Sempre a dizerem que era um velho duro. E uma vez, o velho tinha mesmo ido a Champigny. Ficou por lá alguns dias, mas sempre a resmungar por tudo e por nada. Perdia-se nas ruas, era preciso ir procurá-lo… criticava tanto a casa da filha, uma vivenda grande e bem arranjada, que Aparecido se convenceu. A casa do velho deveria ser muito boa. E foi por isso que resolveu vir passar uns meses a Portugal, enquanto não se resolviam umas chatices que tinha tido, umas dívidas, umas zangas, uns ameaços… enfim, tudo para esquecer.
Afinal, a casa do velho era um pardieiro mais velho do que ele, quase a cair, com telhas que deixavam entrar água da chuva, à beira dum ribeiro, naquela aldeola onde o Judas perdeu as botas. Um frio de rachar e o velho não tinha outro aquecimento que não fosse a lareira. Só uma lareira para a casa toda, com  a lenha muito racionada porque era muito poupado. Avarento. Ainda por cima era ele, Aparecido, quem tinha de rachar os troncos das árvores e de carregar com as achas pelas escadas acima. Parecia mal dizer que não e mandar o velho fazer isso, claro.  Embora fosse um trabalho que o avô costumava fazer todos os dias, sem nunca se queixar. Velho rijo! Quem me dera ser assim quando tiver a idade dele, dizia a mãe, quando não se queixava da maneira como tinha sido tratada em pequena. Mas eram outros tempos, dizia ela, não se dava à canalha o mimo que se dá hoje em dia…
Aparecido já estava mais que farto daquela casa, daquela parvónia, da forretice do velho, dos raspanetes que estava sempre a apanhar. Ia-se embora, não estava para aturar aquilo, só ainda não tinha ido por a mãe lhe pedir que ficasse até ao Natal. Não deixes o teu avô sozinho na noite de Natal! Por isso, claro, sobretudo por isso, mas também porque lhe dava jeito ficar mais uns tempos, ia ficando… ia aturando aquilo, em troca de cama, mesa e roupa lavada, se a lavasse ele, claro.
Mas o pior era o galo.
Era um galo enorme, de penas compridas e avermelhadas, com uma crista enorme, como para se ver bem que não era uma galinha, bem, para quem sempre viveu na cidade, perto de Paris, na banlieue parisienne, não era assim tão fácil distinguir uma galo de uma galinha, mas parece que o animal já sabia disso e já tinha tratado de todos os pormenores, para que não houvesse engano possível. E andava sempre rodeado pelas galinhas, de dia. De noite, punha-se a cantar, a cantar, até lhe parecia a ele, Aparecido, que o bicho estava empoleirado nos ferros da cama velha e desengonçada, ali mesmo ao pé. Uma cama que também gingava e gemia, num ruído de metais raspados uns contra os outros, de todas as vezes que o rapaz dava voltas na cama. E não eram poucas.
-Ó avô, então os galos não cantam só quando o sol nasce?
- Pois, antigamente era assim, por isso é que os antigos diziam que os galos só cantam quando nasce o sol.
- Então e até isso já mudou? Os galos também são modernos?
- Ó meu filho, isto agora está tudo diferente…
- Mas o sol não nasce à mesma hora, como antigamente?
- Sim, claro, isso, se mudou, terá sido muito pouco. Pelo memos desde que eu me lembro, e olha que eu tenho uma memória! Até me lembro melhor das coisas antigas do que das novas...
- Mas o galo está sempre a cantar, canta toda a noite! Quando eu estou quase a adormecer, desata aos berros, parece que está encostado às minhas orelhas e que o estão a matar! Passado um bocado estou a dormir, começa a cantar outra vez. Raio de vida. E de terra!
- A culpa não é dele. É que às vezes passam ali adiante na estrada umas motorizadas dos rapazes que foram à vila, vão lá para andarem no laró, agora anda tudo no laró, que não lhes custa a ganhar o sustento. Eu, no meu tempo…
- Ó homem, mas o que é que isso tem a ver com o galo? Que mania que você tem de estar sempre a mudar de conversa…
-  Cala-te e deixa-me acabar. No meu tempo começávamos a trabalhar mal o sol nascia, desapegávamos quando o sol se começava a por, éramos como o galo, guiávamo-nos pelo sol, trabalhávamos de sol a sol. E para ganharmos uma côdea de pão. Escola? Escola era um pau de marmeleiro pelas costas abaixo se não trabalhássemos como devia de ser. Anestesia para tirar os dentes? Anestesia era outro pau de marmeleiro pelas costas a baixo se não estivéssemos quietos e calados enquanto o meu pai me arrancava o dente com um alicate.
- Credo! Ó velho, você também não exagere. Quando você se põe a inventar...
- Inventar, eu?! Ai era assim, era, tu que pensas? Pensas que era como agora, tudo no bem bom, a canalha a estudar ou a fazer que estuda até ter idade  quase para a reforma… ninguém faz nada, ninguém quer trabalhar, olha para ti!
- Deixe lá isso. Não me fale em mim!
- Ai deixo lá isso? Ai não queres que te fale em ti? Então e tu achas normal viver à custa do teu pai, que também foi um mouro de trabalho, coitado, na França, e agora, ainda por cima, a viver à custa do teu avô, com a idade que tens? 30 anos? Com trinta anos já eu tinha...
- Pois está bem, mas você já me disse isso tantas vezes. Não vale a pena bater mais no ceguinho.
- Ceguinho? Não vale a pena, mas é malhar ferro frio, que tu mais pareces um ferro frio, uma parede de…
- Ó velho, pare lá com essa conversa que essa merda já me está a chatear.
- Cala-te tu. Ou agora também queres mandar calar os velhos? Também era só o que faltava!
- Não é nada disso. Deixe lá, pronto, não se zangue.
- Pronto…
E já agora explique-me lá isso do estafermo do galo, que eu ainda não entendi. Não entendo por que canta o galo a todas as horas e não como os outros de antigamente. *
- Mas eu já te disse. Os rapazes das motas... e às vezes algum carro, sobretudo aos fins de semana, passam na estada da vila.
- Pois, eu isso percebi.
- Porque a mocidade agora não faz nada e passa a noite inteira no laró...
- Pois, eu isso também já entendi. Porra para o velho!
- Ó Apracido, tu vê lá como falas. Olha que eu não sou surdo!
- Então está sempre a dizer que ouve mal e quando eu digo estas coisas em voz baixa, cá com Deus e comigo…
- Eu só ouço mal o que não me interessa!
- Pronto! E então ia a dizer … passam as motas, ou os carros…
- De noite. E ao virar da curva, as luzes iluminam aqui esta parte ao pé do castanheiro grande, estás a ver, ali onde está o galo, na capoeira. Percebes? Ele pensa que é o sol e pronto, começa logo a cantar! Os bichinhos têm sempre razão. Nós é que muitas vezes não a temos.
E assim se foram deitar, cada um para o seu quarto, muito cedo para não gastarem luz, como dizia o velho. Embrulhados nos cobertores e nas mantas que pesavam como pedras, na opinião do neto, e frias, que nunca tinha visto nada assim. Lá em França os cobertores são leves e quentes. Mas o velho queixava-se muito quando lá estava. Queixava-se do frio, queixava-se da comida e de tudo. E lá nem há mantas, para que servem estas mantas desta terra, pesadíssimas e geladas? Ainda a mãe dizia que queria regressar? Nem ela se daria já aqui... dizia que queria vir, que queria vir, mas nunca vinha, devia estar à espera que o velho morresse... para herdar... e para o não aturar, claro. Quem é que podia  aturar semelhante criatura? E viver naquela terra atrasada? A mãe até dizia que em Portugal não havia frigoríficos, ela chamava-lhes frigideiras, nem mulas, ela queria dizer moules, ou seja, formas para bolos, a  não ser que quisesse dizer mexilhões, que também se diz assim em francês... mas ele bem os tinha visto no Porto: frigoríficos, formas de bolos e mexilhões. Não havia nada disso naquela terra, claro. E se calhar no tempo da mãe não havia em lado nenhum, mas não... haver havia, ela é que era um bocado ignorante, mais do que um bocado, uma palerma, nem falava bem o francês nem o português, era como dizia  a professora de português lá em Champigny:
- Os vossos pais são uns ignorantes, não sabem nada, também não admira, vieram das aldeias da serra para Paris.... nem sabem falar português, nem francês, nem sabem coisa nenhuma.
Assim pensava o jovem, enquanto se aproximava perigosamente a noite de Natal, com a famosa ceia, muito recomendada e muito enfatizada pela mãe.
Nessa noite, Aparecido e o avô comeram o mesmo que em todas os outros jantares, a que o velho chamava ceias. Batatas cozidas com bacalhau e couves. Às vezes até eram só batatas e couves, outras vezes era só caldo e pão...
As batatas eram mais brancas e mais perfeitas que o habitual, a duas postas de bacalhau eram mais grossas e melhores, mais amarelas, as couves eram iguais, idas buscar ao quintal poucos minutos antes de entrarem na panela. O vinho também era a mesma zurrapa de verde tinto de sempre, produzida nos mesmos quintais, de umas videiras velhas e grossas, mas nessa noite era do engarrafado, o da melhor colheita. E o azeite... imagine-se, dizia o avô que aquele azeite era especial, até abriu uma garrafa de propósito, fez um relambório sobre o assunto, contou uma história complicada em que misturava o azeite com os tempos em que era jovem e com a falecida mulher... o neto não prestou atenção a coisa nenhuma, imagine-se, quem é que se importa com o azeite! Sobremesa, uns doces feitos de pão frito com açúcar, que não prestavam para nada, parecidos com os que a mãe fazia em França, mas ainda piores. Enfim, sempre era melhor do que nos outros dias, em que não havia sobremesa nenhuma... a não ser às vezes umas uvas no tempo das uvas, um punhado de castanhas no tempo das castanhas...
As batatas, o bacalhau e as couves cozeram lentamente na panela de ferro da lareira, enquanto os dois aqueciam os pés ao fogo, naquele dia gelado. Para o rapaz, habituado a não fazer nada, o aborrecido daquela vida nunca era a falta de atividade, pelo que ali ficou sossegado, a ouvir a chuva cair no telhado baixo e o vento a zunir no velho castanheiro. Para o velho, aquela era a única vida que conhecia e não desejava, nunca tinha desejado outra.
Comeram sossegados e foram cedo para a cama. Nada de presentes, nada de decorações de Natal, nada de rezas. O rapaz não tinha religião praticamente nenhuma, a do velho era mais superstição do que fé, nisso e noutros aspetos eram parecidos, como muitas vezes acontece com elementos de diferentes gerações de uma mesma família, mesmo se nunca houve muito contacto entre eles.
A princípio, o rapaz acendeu uma vela de cera, para o avô não protestar por ele gastar “luz”, referindo-se à eletricidade. Tentou ler uma velha revista que lhe deram durante a viagem de comboio, mas não era grande leitor e acabou por adormecer com a revista por cima da cara. Minutos depois, acordou com o galo.
- Có có-ró có-có!!!! – cantou o galo.
Acordando estremunhado, Aparecido atirou com a revista para o chão, levantou-se de vela na mão e foi discutir com o avô,
- Eu vou-me mas é embora desta terra de merda!
- Vai vai! Até já devias ter ido. Andas aqui a comer à minha custa e ainda reclamas!
.- Já quantas vezes me disse você que eu ando a comer à sua custa? Então eu não sou seu neto? Eu não sou o seu herdeiro? E não é costume as visitas comerem à custa de quem as recebe?
- Visita, tu?  Que grande visita, que tu me saíste, que já cá estás a comer há meses sem fazer nada. Herdeiro? Se eu te deixasse gastar tudo o que tu queres gastar, não ia haver nada para herdar, herança nenhuma, nem para ti, nem para a tua mãe, nem para o teu pai. Vai-te mas é deitar e deixa-me dormir a mim. Estamos no Natal, deixa-me ao menos em paz, no Natal!
O rapaz lá voltou para a sua cama de ferro, que rangia ainda mais que o habitual, por baixo do duro e áspero colchão de palha de centeio. Mas ficou inquieto, na tempestade que desabava a espaços, seguida de períodos de acalmia. Inquieto e remexendo-se constantemente, lá voltou a adormecer.
- Có có-ró có-ri có-ró!!!!
- Ai, que é isto? – pergunta Aparecido, despertando de repente, sem se lembrar já de onde estava e julgando-se em Champigny, onde não há galos a cantar durante  a noite. Acordado, acende a vela e lá fica a cismar nisto e naquilo, em velhos rancores contra o avô, contra o pai, contra aqueles conhecidos que o andavam sempre a importunar lá por França... mas a fraca luz do aposento, um raro luar filtrado pelas nuvens, que entra pela janela e o completo silêncio que se gerou após a tempestade faziam-no adormecer em pouco tempo. E assim ficou a dormir no melhor do seu sono, naquela invulgar noite de Natal. Quando de repente se ouve, como já setinha ouvido antes, tantas vezes...
- Có có-rí có-có ri-có!!!!
O quê? - Levanta-se o rapaz, desta vez acendendo a luz elétrica, corre desnorteado para a sala, acende a luz elétrica da sala, investe para cozinha, acende a luz elétrica da cozinha, nunca se viu tanta luz ao mesmo tempo naquela casa, o que faz o avô acordar atordoado.
- Que é isto, rapaz?!
- Porra! Eu é que já não aguento mais isto! Vou matar o galo - vocifera Aparecido, enquanto procura atabalhoadamente, nas gavetas e nos armários da cozinha,  a melhor faca, aquela que corta bem
- Onde é que você meteu a faca que corta bem? Amanhã temos arroz de galo.
- O velho levanta-se da cama, amparado na bengala, um pouco atordoado com toda aquela agitação que o despertou dum sono profundo, feliz e sem sonhos. Irritado, dirige-se à cozinha, gritando com o neto, que vai atirando pelo ar pratos e talheres.
- Tu está-me quieto rapaz. Tu não vês que me estás a escaqueirar tudo? Mas o que é que tu queres, ó moço?
- Vou matar o galo. Ando à procura da faca que corta bem. Você só tem uma faca que corta bem, as outras não prestam! Onde é que a pôs agora?
- Tu não te atrevas a matar-me o meu galo! Tu estás-me a ouvir?
- Ai não, então já vai ver o que é que eu lhe faço!
- Está quieto, rapaz! O galo já aqui estava quando tu aqui chegaste e ainda cá há-de ficar muito tempo quando tu te fores embora!
- É já amanhã!
- E havia era de ser ainda ser hoje! De que é que tu estás à espera? Desaparece-me daqui!
- Desapareço desapareço, ai desapareço e é já - grita Aparecido - mas antes disso vou matar o galo. E ainda o havemos de comer antes de eu ir. Não o vai deitar fora depois de morto, pois não? Lá porque gosta tanto dele...
- E gosto
- Isso sei eu! Até gosta mais dele do que de mim!
- Muito mais. Eu gosto muito mais dele do que de ti, ouviste? Porque eu a ti nem te conheço. Sei lá se tu és meu neto!
- Ai não me quer dizer onde está a faca? Então eu mato-o mesmo à mão , torço-lhe o pescoço e acabou-se!
Dizendo isto, Aparecido sai porta fora em direção à sala, na intenção de ir ao pátio matar o galo. O avô corre a agarrá-lo com força. O velho é forte, mas o rapaz, magro e ágil, consegue libertar-se, estrebuchando. Logo o avô o agarra por um braço. Então, Aparecido pega, com a outra mão, numa cadeira que ali está, levanta-a no ar e fá-la desabar com toda a força sobre a cabeça do homem. Velha e desengonçada, a cadeira parte-se em bocados, pouco mais mossa fazendo na cabeça do velho do que a luz intensa a que não estava habituado lhe tinha feito nos olhos e no espírito.
Num gesto de defesa, o homem levanta a bengala e vai bater com ela na cabeça do neto, no momento em que este se volta para trás. Atingido na nuca, o rapaz cai ao chão, fulminado. Está morto.
Aturdido com o seu ato, a princípio, não querendo acreditar no que vê, o velho dá-se depois conta da sua atual situação. Com o sentido prático que adquiriu numa vida simples e solitária de trabalhador braçal, pouco tempo demora a entender tudo e  a conjeturar o que deve fazer. Veste o seu melhor fato, põe  a gravata e o chapéu, chama os vizinhos, conta o que fez e pede que o levem à vila, de mota, para se entregar à guarda, confessando o seu crime. Involuntário.
Pouco passa da meia noite. Da janela do posto da guarda em que ficou retido como prisioneiro, até se averiguarem os factos, o velho observa, desanimado, os seus conterrâneos que saem da igreja, felizes, depois de assistirem à Missa do Galo. As crianças saltitam alegres à frente dos pais, mortas por irem abrir os presentes que ficaram por debaixo da árvore, ou dentro dos sapatinhos, ao pé do presépio ou da cama. Os adultos estão também alegres e bem dispostos, digerindo ainda a lauta ceia de Natal com as suas desusadas sobremesas e bebidas.
Naquela terra em que nada acontece nunca, os que saem da igreja são logo abordados pelos outros, ávidos de lhes contarem a grandessíssima novidade. A excitação da inusitada notícia apaga, naquele momento, qualquer sentimento de piedade ou de indulgência. Todos olham para a janela da guarda com grande curiosidade e quase alegria, pela quebra da monotonia das suas vidas, ali tão isoladas do mundo. Não há maldade na sua atitude, antes o entusiasmo de quem vê acontecer na sua terra o que só vê habitualmente e até mesmo constantemente na televisão. Falam alto, chamam um pelos outros, no desejo de contar a grande novidade aos poucos que ainda não a ouviram, enquanto o cadáver de Aparecido é transportado para a morgue mais próxima, longe dali.
Pouco depois, tudo sossega. A terra cai na tranquilidade e na harmonia das pequenas terras sem história. Chegados a casa, pouco tempo demoram a deitar-se e a adormecer, cansados de tanta excitação. Alguns transeuntes foram para mais longe, nas suas motorizadas ou nos seus automóveis. Ao passarem  a curva da estrada, a luz dos faróis incide na capoeira que fica por detrás do castanheiro velho.
O galo canta.

Lisboa, 30 de Dezembro de 2013
Graciete Nobre

domingo, dezembro 29, 2013

A Amizade no Facebook


Conheci pessoas que morreram por não terem conseguido adaptar-se aos novos tempos. Porque já nasceram desadaptadas, oriundas de um passado remoto. Outras nasceram desadaptadas deste tempo, porque já vieram formatadas para o futuro. poderão lamentar muitas coisas, criticar muitas coisas, mas nunca a modernidade e o progresso.

O Facebook desperta em muitos a insatisfação e a revolta que sempre acontece perante as coisas inevitáveis, perante a evolução inevitável. Sobretudo da parte dos velhos (não necessariamente em idade)É "fácil desconectar os amigos", essa é uma evidência, mas também é fácil reconectá-los. A intimidade com amigos/amigas sempre me pareceu aborrecida e mesmo insuportável. E outra vantagem é a partilha de opiniões, objetos como fotos, vídeos e informações. Conhecemos quase bem pessoas que não suportaríamos em intimidade e aprendemos a respeitá-las.. Aprendemos muito no Facebook.É um novo paradigma nas relações humanas e ainda mal começou.Vem este post a propósito do artigo sobre este filósofo Bauman3 MINUTOS COM BAUMAN: AS AMIZADES DE FACEBOOK

Ainda recordo o tempo em que era tudo muito aborrecido, tudo muito lento, a solidão não existia como coisa positiva, aliás, a solidão física não existia. Estávamos sempre rodeados de pessoas enfadonhas, sendo continuamente obrigados a conviver com elas. O tempo passava lentamente. Para o bem ou para o mal, esse tempo acabou.

Só quem for muito chato irá desejar ser aceite sem ter opiniões, sem dar nada, ser aceite numa presença incómoda, obrigatória e talvez até mal cheirosa. Mas ninguém voltará a ser obrigado a  ter apenas dois "bons amigos". Os que deram provas. E quando esses dois se fartassem, o que aconteceria? E os que não deram provas de amizade poderão vir a dar provas, ou de amizade, ou de bondade. Numa sociedade corrupta como a nossa, é muito mais importante a bondade do que a simpatia.

P.S.: Claro que ninguém pode fazer 500 amigos num dia, essa é a ingenuidade das crianças.

sexta-feira, dezembro 27, 2013

Livro para ler: sobre Madame de Montespan



Comprei ontem à tarde, na estação de comboios de Campanhã, um livro difícil de parar de ler: Montespan. Custou cinco Euros, mas neste link custa só três.

É sobre o marido de Madame de Montespan, a amante favorita do rei Louis XIV.
Como quase todos os romances históricos, não é grande coisa no aspeto literário, é mais um best seller e uma espécie de reportagem jornalística sobre a época, mas tem particularidades interessantes.

Em primeiro lugar, Luís XIV foi de tal modo extraordinário, para o bem e para o mal, que merece os inúmeros romances históricos escritos sobre personagens que o circundaram: o jardineiro, como O Jardineiro do Rei, os cozinheiros, como Vatel, sobre o qual se escreveram livros e fizeram filmes, as amantes e agora o marido da amante. Foi uma escolha inteligente, que permitiu ao autor inventar tudo o que quisesse. E nem é necessário inventar muito porque a própria realidade é incrível.

A outra graça do livro é que o autor reproduz os costumes nojentos da época, o que quase todos os escritores evitam. Recordamos logo a cama real coberta de percevejos do Memorial do Convento, de José Saramago, mas este livro vai muito para além, recriando outros pormenores, como o hábito que nobres e reis tinham de defecar em público, por exemplo.
Às vezes talvez confunda mesmo a lenda coma realidade, o que também é natural, como quando afirma que Luís XIV só tomou banho uma vez e se benzia com água benta em vez de se lavar. Tem graça, mas talvez seja exagero, motivado pela ideia transmitida pelos médicos da época de que a água fazia muito mal.
Ainda não acabei de ler, mas estou a tentar não ir a correr pegar nele...

Recomendo também O Jardineiro do Rei, talvez até um livro melhor do que este.

domingo, dezembro 22, 2013

Espírito Natalício

Visto ontem na rua.
Três homem transportam, com muito cuidado, uma caixa de vinho tinto para a mala de um carro. Vinho especial para as festas. Um deles faz um movimento em falso. A caixa cai ao chão e todas as garrafas se partem, espalhando o precioso líquido, colecionado em várias ocasiões especiais, pela calçada.
- Tu és sempre assim! Tu és sempre assim! Tu és sempre assim! Ouviste?!

Devem acontecer inúmeros casos como este, por esse mundo fora.
Mas a dúvida persiste:
- Ele era sempre assim, como? Deixava sempre cair as garrafas do vinho bom?

sábado, dezembro 21, 2013

Morreu-me um amigo imaginário


Chamava-se Calafona.

Dei-lhe esse nome porque é como os açorianos chamam aos emigrantes que vão para a Califórnia. E ele vivia em Mountain View, California.
Deixei-lhe várias mensagens neste blogue, mas nunca respondeu a nenhuma. Era assim. Não falava, mas parecia-me mais meu amigo do que muitos!
Comecemos pelo princípio. No contador de visitantes dos meus blogues, o Sitemeter, aparecem os visitantes, o tempo que cá passam, as páginas que visualizam e mesmo o IP dos seus computadores.
O Calafona vinha cá todos so dias, várias vezes por dia, nunca falhava. Não respondia às minhas mensagens, mas paciência... por outro lado, ele era da mesma terra onde vive uma senhora que teve este blogue nos favoritos do seu, o Chatoyances. Tudo normal.
A certa altura, pareceu-me que havia menos visitas do Calafona e muitas duma terra chamada Colorado Springs, o que me levou a supor que o Calafona tinha ido passar férias em Colorado Springs, uns milhares de Km para o interior dos Estados Unidos. Tudo bem. A coisa piorou quando recebi muitas visitas do Calafona e muitas de Colorado Springs. Será que eram dois calafonas, marido e mulher, que se divorciaram? E a Colorada foi para o Colorado, ou assim. Nunca consegui sequer perceber se o Calafona era homem ou mulher, inclinando-me para a primeira hipótese, por me parecer que há mais homens gostar do que escrevo. Ou de mim?

Até que um amigo, (ex-real e agora virtual) me tirou mais esta ilusão: O Calafona, afinal, é o Google Bot, ou seja, o motor de pesquisa, que coloca os meus blogs para pesquisa. Um grande amigo, também...mas...

Tenho saudades do meu Calafona!!! Ou da minha Calafona!!!

(P.S.: Nada sei da Colorada, mas não digam a ninguém, senão ainda me dizem que também morreu.)


Feliz Inverno!



Este é um dos mais giros Doodles do Google, por isso aqui vai. Par acomemorar o Solstício de Inverno e para desejar a todos Feliz Inverno. E feliz Primavera, que vem aí.

sexta-feira, dezembro 20, 2013

Acordo / Desacordo Ortográfico : Mentiras, aldrabices e outras maluquices


Esteve agendada para hoje, 20 de dezembro de 2013, uma discussão na Assembleia da República Portuguesa sobre o acordo ortográfico, resultante de uma petição, no sentido de o anular. Foi adiada.

Os que propalam estas opiniões contra o acordo (AO) são useiros e vezeiros em transmitir informações falsas e absurdas.

A aldrabice mais comum, pois não tem outro nome, é afirmar que o AO ainda não está em vigor no Brasil e que os brasileiros não o querem. Está em vigor desde 2009, no Brasil e o que está agora em causa, vários anos depois, é o fim do prazo de transição (período durante o qual podem ser usadas a sduas ortografias sem que nenhuma seja considerada errada) e talvez um balanço sobre o que pode ser ainda mais simplificado.
De facto, estiveram cá dois linguistas brasileiros (foram recebidos também pelos deputados), um dos quais, Ernani Pimentel, propõe que se escreva xuva e ábito. Tem pouca ou nenhuma aceitação no Brasil.

Para esclarecer esse e outros pontos, fica aqui a declaração do diretor executivo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa aos deputados portugueses, publicada no site de referência

Ciberdúvidas da Língua Portuguesa





terça-feira, dezembro 17, 2013

"Temos fantasmas tão educados / Que adormecemos no seu ombro "






Natália Correia escreveu isto no tempo de Salazar. Atualmente, Portas, o tipo dos submarinos e das decisões irrevogáveis, que se revogam imediatamente, afirma que:

"Reformar com acordo social é uma singularidade positiva de Portugal" (Clicar para ler).


Ou seja, qualquer país, no nosso lugar, já tinha feito uma revolução e decapitado ou defenestardo esta cambada horrenda que nos governa, mas nós não.

- Ke Kridos que nos somos. Não éramos? não tínhamos sido?  - Diremos um dia, quando já não existirmos, por excesso de delicadeza.

Aqui vai o poema completo. Foi dito por Natália Correia num julgamento em que era acusada, o que deixou os juízes ainda mais enxofrados contra ela. Tês anos de prisão com pena suspensa, foi a pena. Acusadada de quê? De liberdade de expressão. Claro.

Ganda Natália!

Queixa das almas
jovens censuradas
Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.

Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.

Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.

Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.

Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.

Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.

Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.

Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.

Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.

Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.

Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.

Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é a morte.


sexta-feira, dezembro 13, 2013

O magnificiente fausto da terra imunda









Só quem conhece a nudez límpida e imensa dos oceanos sabe apreciar o magnificiente fausto de que se enroupa esta terra imunda


segunda-feira, dezembro 09, 2013

PAPA FRANCISCO: A Lista de Bergoglio. Os que foram salvos por Francisco durante a ditadura.



Na primeiríssima aparição de Bergoglio, digo, do Papa Francisco, fiquei logo maravilhada. Não foi nada em especial, foi tudo.
O vestuário de Papa sem dourados, a referência aos irmãos, A irmandade, a escolha do nome Francisco. 
Outros duvidaram: Francisco Xavier? Mas estava muito na cara: Francisco de Assis.

Gostei logo do Papa Francisco, como havia gostado do Papa Bento XVI, sem ter gostado de nenhum dos anteriores. Muito menos de João Paulo II. Mas subsistia uma dúvida: será que Francisco cooperou com o regime ditatorial, direitista e fascista da Argentina? Improvável, mas faltava esclarecer essa dúvida.

Um jornalista italiano, NELLO SCAVO, decidiu também esclarecer essa dúvida. E esclareceu. Dando origem ao livro  A Lista de Bergoglio. Os que foram salvos por Francisco durante a ditadura. 

VER AQUI, NO INÍCIO DO POST, O VÍDEO DE FRANCISCO DE ASSIS, POR FRANCO ZEFFIRELLI (Ver, pelo menos, entre os minutos 40 e 50). Mostra também Santa Clara de Assis.

O MEDO TAMBÉM É UMA REALIDADE VIRTUAL



O MEDO TAMBÉM É UMA REALIDADE VIRTUAL. QUANTAS VEZES TIVEMOS MEDO DE NADA? DE COISA NENHUMA?


TANTAS VEZES QUE O MEDO É UMA VISÃO FALSA OU FALSIFICADA DA REALIDADE! UMA VISÃO PROVOCADA POR OUTROS.

OU SEJA: UMA ATITUDE INGÉNUA.

Graciete Nobre

domingo, dezembro 08, 2013

Marfins Luso-orientais no Museu Nacional de Arte Antiga







Para além da maravilhosa exposição vinda do Museu do Prado, ainda temos esta, inaugurada hoje: "Vita Christi, Marfins Luso-orientais".

Cada pequeníssima peça é um mistério, um acontecer de confusões / cisões, inovações / confusões, sincretismos, mistura dos paradigmas orientais com os ocidentais.

Santos cristãos representados à maneira budista ou hinduista, enfim, um mundo a descobrir nos detalhes das pequeníssimas coisas.

Há quem diga que Deus está nos pormenores. Outros ainda, afirmam que o Diabo está nos pormenores.

Como dizia José Régio:

"Deus ou o Diabo é que me guiam
Mais ninguém."

sábado, dezembro 07, 2013

Tu vai mas é para a tua terra!

Conversa de autocarro apinhado em dia de greve parcial de autocarros: 
- Tu vai mas é para a tua terra! ouvistes?
- Eu vou para a minha terra mas é quando os da tua terra que lá estão vierem para cá. Ouvistes? Olha que eu dou-te uma chapada!
- Tu dás-me uma chapada e levas outra, não é por eu ser velha que não tenho mãos!
- Estas duas são umas peixeiras! - diz-me, em voz baixa, uma senhora "fina".
- Todos ralham e ninguém tem razão - respondo, também em voz baixa.


" A Minha cabeça está ensanguentada, mas não curvada." - Poema preferido de Nelson Mandela




Este é o poema preferido de Mandela, que lhe permitiu aguentar o sofrimento de cabeça "não curvada".
O que mostra, masi uma vez, o imenso poder da poesia, muitas vezes esquecido.

Invictus

De dentro da noite que me cobre,
Preta como a cova, de ponta a ponta,
Eu agradeço a quaisquer deuses que sejam,
Pela minha alma inconquistável.

Na cruel garra da situação,
Não estremeci, nem gritei em voz alta.
Sob a pancada do acaso,
Minha cabeça está ensanguentada, mas não curvada.

Além deste lugar de ira e lágrimas
Avulta-se apenas o Horror das sombras.
E apesar da ameaça dos anos,
Encontra-me, e me encontrará destemido.

Não importa quão estreito o portal,
Quão carregada de punições a lista,
Sou o mestre do meu destino:
Sou o capitão da minha alma.

William Ernest Henley (1849-1903)


E agora, no original

Invictus

Out of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll.
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul. 

segunda-feira, dezembro 02, 2013

Carris: o caos quotidiano



Depois de terem esperado uma hora pelo autocarro, dezenas de pessoas empurram-se para entrar no primeiro que lhes aparece, já demasiado cheio, sufocando de tão apertados que estão, uns passageiros contra os outros. Apresentam uma expressão patética, quase todos com um sorriso, que é um misto de ironia, vergonha e auto-compaixão.
Logo atrás daquele autocarro vêm mais quatro, da mesma carreira: o segundo está muito cheio, o terceiro já tem pouca gente, o quarto está quase vazio, o quinto não tem vivalma. Inverter a sequência e colocar à frente o que está vazio? Nem pensar: irão nesta mesma sequência, desde o princípio, até ao fim da carreira. Porque é assim que está estipulado pela Carris.

Começou hoje mais uma greve da Carris. 
Mesmo sem greve, vivemos uma situação de catástrofe e de caos. Quotidiana.
Com a greve, há trabalhadores que não podem ir trabalhar, estudantes que não podem ir estudar, trabalhadores que perdem o emprego porque faltam muito, "trabalhadores" e "estudantes" que aproveitam a greve para se baldarem...

Será que a direção da Carris pretende colaborar com os condutores grevistas, na criação do caos na cidade de Lisboa?




domingo, dezembro 01, 2013

Mário Soares, O Papa Francisco e a Igreja portuguesa

Mário Soares afirma em "O Papa Francisco e a Igreja portuguesa":
    "(…) a Igreja portuguesa tem mantido um silêncio inaceitável, tal como o actual patriarca, em relação ao Papa. Parece que não gosta dele ou mesmo que o detesta.

    Prefere a corrupção e a imoralidade, que reinava no Vaticano, à solidariedade do Papa que respeita os pobres? Que patriarca é este que há meses não fala e, em especial, de Sua Santidade. Aliás, quando era bispo fazia-se passar por um homem desempoeirado e progressista – que afinal não é; tendo em conta o que não diz agora, parece que nunca foi."

Quem não notou a falta de entusiasmo e de admiração por parte dos católicos portugueses? A igreja portuguesa está tão contentinha com ela própria e com o mundo, que se assusta perante as grandes mudanças que o Papa preconiza.
Porque a maioria das pessoas de esquerda saiu há muito da Igreja e ameaça regressar, com este novo "Papa dos pobres", o Papa franciscano.